POÉTICA DO LIXO

É verdade que, em tempos de produção em massa de lixo, a arte que adota o lixo como matéria prima torna-se uma arte que aborda a vida. O artista Leonardo Monteiro com o objetivo de discutir a vida em todos os níveis usa o lixo como recurso básico para compor obras de inclinação crítica existencial e social.

Imerso em uma intensa pesquisa que tem o corpo, objetos e a pintura como meio, Monteiro incor-pora os resíduos produzidos pela sociedade no seu trabalho. O materialismo é confrontado com as necessidades humanas básicas, tais como afeto e desejo, em um jogo contínuo, onde a vida ordi-nária e arte se misturam.

No processo criativo o artista ultrapassa a intenção deliberada de produção, uma "cadeia" de ações subjetivas e intensas. Ao deslocar o quadro da parede para o espaço Leonardo Monteiro empurra seu imaginário pictórico à dimensão espacial, encontrando refúgio na Assemblage e na Performance.

As ações destrutivas que ferem o suporte da pintura, enquanto ao mesmo tempo, o compõe, estão em relação com uma tradição de pintura gestual. A sobreposição aparenta fraqueza na composi-ção em ruínas. A tensa relação entre o artista e os objetos, ou do trabalho, estabelece drama e densidade nos resultados finais. Assim, a produção de Monteiro enfatiza e defende a conscienti-zação da condição humana e contém a sua própria humanidade, sua própria realidade.

O campo de atuação do artista se manifesta de forma dramática e simbólica. Enfatizando um jogo confuso de arte (o que é encenação) e vida (o que é bruto). As apresentações são baseadas em atividades simples e situações dramáticas que alertam sobre as unidades humanas existenciais. Ações como, martelar peixes na reprodução de "A Origem do Universo", de Courbet ou soprar ba-lões cheios de flores até elas explodirem, discutem diretamente sobre sexualidade, dor e morte.

Acreditando no poder renovador da arte, Monteiro está chocado com os labirintos da linguagem e da vida. Ele se esforça para encontrar objetos de poder poético descartados pela sociedade. Sem hierarquia, mas estabelecendo relações de afeto, Leonardo Monteiro cria uma espécie de semiolo-gia do objeto. A Semiologia do lixo.

Lippe Muniz, 2010.